Libertação das amarras dos desejos - Svāmi Tadatmānanda

Os ṛṣis anciãos ensinaram-nos que os desejos não-realizados causam sofrimento. Quantos mais desejos temos e queremos realizar, mais sofremos enquanto permanecerem por realizar. Portanto, a libertação dos desejos conduz à libertação do sofrimento.

Embora isto seja, certamente, verdadeiro, parece antinatural ser totalmente livre de desejos. Imaginemos que se pergunta a uma pessoa que atingiu a libertação, iluminação, mokṣa, “Gostaria de tomar um chá, café, ou um refresco?” Será que essa pessoa iluminada responderia, “Eu não tenho desejos, por isso, não me faz qualquer diferença.” Uma resposta desse tipo seria bastante estranha. Se uma pessoa iluminada aprecia chá, ele ou ela, com certeza, diria “Eu quero chá.”

É conveniente distinguir aqui a diferença de dois tipos de desejos: desejos que aprisionam e desejos que não-aprisionam. Um desejo que aprisiona é um desejo cuja não realização causa sofrimento, e um desejo que não-aprisiona é aquele cuja não-realização não causa sofrimento

Para ilustrar a diferença, suponhamos que uma criança procura na cozinha os seus cereais favoritos para o pequeno-almoço - “Nestum”. Apesar de existirem cinco outras caixas de cereais, se não houver Nestum, ela irá chorar, “mãe! Onde está o Nestum?” Ela iria sofrer por causa do seu desejo aprisionador pelos seus cereais favoritos. Você, por outro lado, podria ir à mesma cozinha à procura dos seus cereais favoritos. Caso eles não estivem lá, você simplesmente iria escolher outra caixa sem pensar mais nisso. Como o seu desejo era não-aprisionador, você não iria sofrer quando o seu desejo não fosse realizado.

Se você tivesse milhares de desejos não-realizados, e todos eles fossem não-aprisionadores como o desejo pelos seus cereais favoritos do pequeno-almoço, então você poderia continua perfeitamente satisfeito. Mas se você tivesse apenas um desejo aprisionador à espera de ser realizado, isso seria suficiente para roubar-lhe a satisfação e o faria sofrer.

Assim, a libertação do sofrimento é alcançada quando estamos livres de todos os desejos aprisionadores, mesmo quando os desejos não-aprisionadores se mantêm. O segredo para ultraprassar o desejo não é eliminar todos os desejos, mas, ao invés disso, transformar todos os desejos aprisionadores em desejos não-aprisionadores.

Tornar-se livre das amarras dos desejos é essencial para o nosso crescimento espiritual. Desejos não-realizados, muitas vezes, tornam-nos miseráveis, e quando somos miseráveis, normalmente fazemos os outros miseráveis também. Queremos contentamento, mas o contentamento continua a escapar-nos devido aos desejos não-realizados. Portanto, temos de abordar esta difícil questão, “Como nos podemos tornar livres de desejos?”

Primeiro que tudo, vamos admitir que nunca poderemos satisfazer todos os nosso desejos. Quando um desejo está realizado, outro surge. Desejo é frequantemente comparado ao fogo. Um fogo está sempre pronto a consumir mais combustível; nunca está satisfeito. Uma palavra comum em Hindi para fogo, anal, é derivada do Sânscrito analam, “não (an) suficiente (alam).” Se combustível fosse lançado ao fogo e se o fogo pudesse falar, nunca diria, “Basta!” Da mesma forma, o fogo dos nossos desejos nunca pode ser satisfeito.

Quando a comida é servida no nosso prato, você eventualmente dirá 
, “Chega.” Mas, horas mais tarde, você irá ter fome de novo. Todos os nossos desejos são assim – a satisfação é sempre temporária porque outros desejos depressa surgem.

Por vezes, é-nos dito que temos que abdicar, de boa vontade, dos nossos desejos. Alguns professores espirituais e escritores dizem-nos para renunciarmos aos nossos desejos, mas raramente nos dizem como fazê-lo. Suponhamos que uma pessoa com grande inclinação para beber chá decide abdicar do chá como uma prática espiritual. Durante o dia todo, essa pessoa pode, de libre vontade, escolher não beber chá. Mas o que estaria ela a pensar o dia todo? Chá! Com a força de vontade você pode largar os objetos do desejo, mas a força de vontade não pode remover o próprio desejo.

Se não podermos satisfazer todos os nossos desejos ou, de livre vontade, renunciar a eles, como iremos alguma vez sermos livres dos desejos? Na realidade, não nos livramos dos desejos; nós 

crescemos para além deles. Lembre-se de um brinquedo que você gostava muito quando era criança. Como abandonou o desejo por esse brinquedo? Você cresceu para além desse desejo. E como foi que você cresceu para além desse brinquedo? Você encontrou um brinquedo melhor! Este processo – crescer para além de um brinquedo quando um brinquedo melhor é adquirido – continua durante a nosso vida adulta. Quando um automóvel melhor e mais rente é comprado, o desejo pelo seu carro antigo é superado. O desejo pela sua casa atual será extinto can você puder comprar uma melhor.

Desta forma, você cresceu para além de muitos, muitos desejos. À medida que você amadureceu, você cresceu para além dos seus desejos infantis. À medida que você amadurece espiritualmente, você pode crescer para além todos os seus desejos mundanos.

Retirado de Arsha Bodha Center, traduzido do Inglês por Gustavo Cunha e republicado em www.yogavaidika.com com a permissão do autor (Svāmi Tadatmānanda). Imagem de topo propriedade de Himalayan Academy, usada sob licença Creative Commons.

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