Manisha Panchakam – Adi Shankaracharya

Neste trabalho que consiste de apenas cinco versos, Shri Shankara expões de forma concentrada a essência de Advaita Vedanta. A ocasião desta composição será agora narrada. Um dia, Shri Shankara dirigia-se a um templo do Senhor Viswanatha em Varanasi com os seus discípulos. Acontece que um varredor se encaminhava a ele nessa mesma rua. Shri Shankara pediu ao varredor para se afastar do seu caminho. O varredor então fez-lhe algumas perguntas que formam a substância de dois versos que são um prelúdio ao trabalho principal. Ao ouvir estas perguntas, Shri Shankara percebeu que a pessoa diante de si não era um varredor comum. Shankara responde a estas questões em cinco versos. Estes cinco versos foram, coletivamente, designados por “Maneeshaapanchakam”. A palavra “maneeshaa” significa convicção e surge na última linha de todos os cinco versos.

De acordo com a tradição, o varredor era nada mais, nada menos, que o Senhor Shiva, naquela forma. O próprio Shri Shankara é considerado uma incarnação do Senhor Shiva. Assim, este trabalho é, em essência, um diálogo entre duas formas do Senhor Shiva, cuja intenção é transmitir ao mundo os ensinamentos essenciais de Vedanta. Questões como se Shri Shankara sequer fomentava a intactilidade apesar de ser uma alma iluminada não têm lugar à luz destes factos. Além disso, nestes casos a história por si mesma não é relevante. Retirar várias conclusões sobre outros assuntos tendo em vista a história seria passar ao lado do mais importante. Um facto que sobressai é que, quando uma pessoa atinge o Auto-conhecimento, considerações sobre a sua casta, etc. são totalmente irrelevantes.

Agora analisamos os versos, um por um:

As questões do varredor:

1. Ó grandioso entre os nascidos duas vezes [nt: iniciado num ritual védico, significa neste contexto um Brahmana]! O que é que desejas que se afaste dizendo, “Sai, sai”? Queres que o corpo feito de alimento se afaste de outro corpo feito de alimento? Ou queres que a consciência se afaste da consciência?

2. Existe alguma diferença entre o reflexo do sol nas águas de Ganga e o seu reflexo na água de um fosso nos alojamentos dos intocáveis? Ou entre o espaço num pote de ouro e num pode de lama? O que é esta ilusão sobre a diferença quanto à forma, “Este é um Brahmana e este é um intocável” no ser interior que é o oceano sem ondas de plenitude e pura consciência?

Nota: O ser interior, que é idêntico ao Ser supremo cuja natureza é plenitude e pura consciência, é o mesmo em todas as criaturas. Como diz na Bhagavadgita, “O sábio vê o mesmo Ser no Brahmana provido de estudos e humildade, na vaca, no elefante, no cão e no intocável” (5.18).

Shri Shankara responde:

1. Se uma pessoa atingiu o firme conhecimento de que ela não é um objeto de perceção, mas é aquela pura consciência que brilha claramente nos estados de vigília, sonho e sono profundo, e que, sendo testemunha do universo inteiro, reside em todos os corpos desde o Criador Brahma até uma formiga, então ela é o meu Guru, independentemente de ser um intocável ou um Brahmana. Esta é a minha convicção.

Nota: No estado de vigília o corpo físico assim como os sentidos e a mente funcionam e experienciam objetos externos. No estado de sonho não existem objetos e o corpo e os sentidos não funcionam, mas a mente cria objetos e eventos e experiencia-os. No sono profundo até a mente não funciona. Em todos estes três estados a consciência está presente. Nos dois primeiros estados a presença da consciência é óbvia devido à experiência de objectos externos e às criações da mente respetivamente. Pode parecer que no sono profundo não existe tal experiência, mas é a experiência de cada ao despertar recordar ter dormido alegremente e não saber de nada. Apenas é possível recordar aquilo que foi experienciado anteriormente. Isto significa que existiu consciência durante o sono profundo e foi devido a esta consciência que a felicidade e a ignorância foram experienciadas. Esta consciência é assim a testemunha de todas as experiências e também da ausência de experiências. Esta consciência é o Ser que habita em todo o ser vivo. Tudo para além desta consciência é um objeto. Os objetos externos são objetos de experiência para os órgãos dos sentidos. Os órgãos dos sentidos são objetos para a mente. A mente, por si mesma, é um objeto de experiência. Uma pessoa que tenha realizado que é o Ser e não a mente, ou os sentidos, ou o corpo físico é iluminada. Tal pessoa é o Guru para todo o mundo.

2. “Eu sou Brahman (pura consciência). É pura consciência que surge como este universo. Tudo isto é apenas algo conjurado por mim devido a avidya (ignorância) que é composta de três gunas (sattva, rajas e tamas)”. Aquele que atingir esta realização definitiva sobre Brahman que é a própria plenitude, eterna, suprema e pura, é o meu Guru, quer seja um intocável ou Brahmana.

3. Tendo chegado à conclusão definitiva, sob a instrução do seu Guru, que o universo inteiro é sempre perecível, aquele que, com uma mente calma e pura constantemente medita em Brahman, e que queimou os seus erros do passado e do futuro no fogo do conhecimento, submete o seu corpo presente à operação do seu praarabdha karma. Esta é a minha convicção.

Nota: Karma, no sentido dos resultados das ações realizadas, é dividido em três categorias. (1) sanchita karma – os resultados acumulados das ações realizadas em nascimentos anteriores, (2) praarabdha karma – aqueles resultados de ações passadas que deram lugar ao presente corpo e (3) aagaami karma – os resultados de ações realizadas no nascimento atual. Na aurora do Auto-conhecimento a primeira categoria é completamente destruída assim como a terceira categoria adquirida até ao momento da tomada de conhecimento. Após o surgimento do Auto-conhecimento nenhuma ação realizada produz resultados na forma de mérito ou demérito. A segunda categoria, praarabdha karma, não é destruída com a chegada do Auto-conhecimento, mas tem de ser exaurida apenas sendo realmente experienciada. Aquando da exaustão desta categoria de karma o corpo da pessoa realizada cai e o jivanmukta torna-se um videhamukta. Isto é referido na sloka acima na afirmação que a pessoa realizada meramente submete o seu corpo à operação de praarabdha karma.

4. O Ser ou pura consciência é experienciado interiormente de forma clara por animais, homens e deuses como “Eu”. É pelo reflexo desta pura consciência que a mente, sentidos e corpo, que são todos inconscientes, parecem ser conscientes. Os objetos externos são percebidos apenas devido a esta consciência. Este Ser é, no entanto, ocultado pela mesma mente, sentidos e corpo que são iluminados por ela, assim como o sol é ocultado pelas nuvens. O yogi que, com uma mente calma, medita sempre neste Ser é o meu Guru. Esta é a minha convicção.

Nota: O Ser ou pura consciência é aquilo que vivifica a mente, sentidos, etc., que são inconscientes, e que os capacita a funcionar. As nuvens devem a sua origem ao calor do sol que faz a água nos oceanos evaporar. As nuvens tornam-se visíveis apenas devido à luz do sol por detrás delas. As mesmas nuvens escondem o sol da nossa vista. Da mesma forma, o corpo, a mente os sentidos, que devem a sua sentiência à pura consciência que é o Ser, ocultam o Ser de nós fazendo-nos perseguir buscas mundanas o tempo todo. O Ser apenas pode ser realizado se os sentidos e a mente se afastarem dos objetos externos.

5. O Ser, que é Brahman, é o oceano eterno da plenitude suprema. Uma fração dessa plenitude é suficiente para satisfazer Indra e outros deuses. Meditando no Ser com uma mente perfeitamente calma o sábio experiencia realização. A pessoa cuja mente se identificou com este Ser não é um mero conhecedor de Brahman, mas o próprio Brahman. Tal pessoa, quem quer que seja, merece que seus pés sejam venerados por Indra. Esta é a minha definitiva convicção.

Nota: As Upanishads dizem que a felicidade experienciada por todos os seres vivos, incluindo os deuses, é apenas uma fração da suprema, infinita plenitude de Brahman (Brihadaranyaka, 4.3.32, Taittiriya, 2.8). Conhecer Brahman significa saber que se é Brahman e não o complexo corpo-mente. Aquele que atinge este conhecimento é o próprio Brahman (Mundaka, 3.2.9). Assim conhecer Brahman é o mesmo que permanecer em Brahman. Note-se que isto não é a obtenção de um novo qualquer novo estado. Toda a gente é, na realidade, Brahman, mesmo quando se está emprisionado e se considere a si mesmo como um ser humano limitado. A libertação não é nada mais que a remoção da identificação errónea com o complexo corpo-mente pela realização da sua real natureza como o infinito, eterno Brahman. Uma corda é confundida com uma cobra no escuro mas quando é examinada à luz percebe-se que nunca foi uma cobra e que apenas sempre existia uma corda. Da mesma forma, quando uma pessoa percebe que não é o complexo corpo-mente, mas Brahman, entende que sempre foi Brahman e que apenas a noção errada sobre si mesma foi removida e nada de novo surgiu. Assim, não há uma amarra real, mas o jiva individual pensa, erradamente, que está emprisionado, devido à ignorância da sua real natureza. Quando esta ignorância é removida como resultado de shravana, manana e nididhyasana, a pessoa torna-se um jivamukta aqui por si mesma.

Reconstituição deste encontro num filme sobre a vida de Ady Shankaracharya:


Tradução da versão inglesa de S. N. Sastri por Gustavo Cunha, publicado em www.YogaVaidika.com com a permissão do autor. Retirado de http://www.celextel.org/adisankara/manishapanchakam.html. Copyright © 2002-2009 Celextel Enterprises Pvt. Ltd. Todos os Direitos Reservados. www.celextel.org. Este material não pode ser reproduzido em nenhuma forma ou vendido sem permissão escrita prévia de Celextel.

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